segunda-feira, março 14, 2005

O Concílio de Trento e as Visitações de Gulpilhares


O Concílio de Trento e as Visitações de Gulpilhares

Introdução

Esta secção que aqui inicio pouco mais pretende ser do que uma breve explicação do contexto em que surgiu este trabalho.
A cadeira de Cultura na Época Moderna abrange cronologicamente o período que mais contribuiu para a herança cultural que chegou até aos nossos dias no ocidente europeu. Desde muito cedo, as questões das diferentes interpretações da mensagem de Cristo, ganharam um espaço e uma dimensão inegáveis no seio da crescente comunidade cristã. Não é de estranhar que as primeiras “heresias” surjam logo após a morte do Mestre, sendo que as suas implicações e repressões se vão agravando com o avançar da institucionalização do culto. O período medieval é assim um “campo de treinos” para os conflitos que se adivinhavam. De facto é em plena época medieval que a igreja afirma de vez a sua pretensão ao domínio espiritual e político do espaço que abraçou a confissão cristã. Se por um lado houveram monarcas que abraçaram de bom grado esta dependência em relação ao divino através dos agentes eclesiásticos, chegando inclusive a tornarem-se taumaturgos, outros houve que desde cedo demonstraram que deveria haver uma separação das duas realidades.
Será assim que, o ambiente do Humanismo, como o nome o indica se voltava essencialmente para o Homem, possibilitou que vários pensadores equacionem qual o papel que o líder espiritual deve ter na vida “secular” dos povos cristãos.
É neste cenário que surgem Lutero e os restantes reformadores. Não querendo iniciar já uma questão que creio estar longe de estar resolvida, que diz respeito à atitude de Roma após o movimento da Reforma Protestante, é no entanto posterior a esta, o Concílio de Trento. Uns denominaram este período como a Contra-Reforma outros como Reforma Católica, neste momento o que proponho defender é que desde cedo estas questões levantaram em mim muitas perguntas.
Quis o destino que eu fosse “natural” da freguesia de Gulpilhares, a qual é uma das poucas no concelho de Gaia de que se conhece o Livro das Visitações. Esta fonte está inclusive publicada, tornando-a assim de fácil consulta. Entre as muitas questões que tinha e tenho acerca do período das reformas, algumas creio poder responder, se não na totalidade pelo menos em parte, através do estudo da fonte em questão.
Perguntas como, qual a real aplicação das normas de Trento num espaço periférico, qual a receptividade da população, a mensagem de Trento e da Diocese seriam a mesma ou haveria condicionalismos locais que levaram a personalizar o cânone, estas são apenas algumas das questões que pretendo estudar e apresentar as minhas conclusões ao longo deste trabalho. Espero ter assim demonstrado que não foi a fonte que influenciou a escolha do tema, mas sim o tema é que levou ao aproveitar da fonte. Creio ser também de suma importância desde já reconhecer que a fonte tem muitas limitações e que em circunstância alguma pode ser tomada como mais do que a representação de uma realidade circunscrita ao espaço e tempo em que foi produzida. Tenho no entanto a firme convicção que as grandes histórias se devem fazer assentes no conhecimento das realidades locais. Espero assim contribuir muito modestamente na discussão de um tema que será sempre apaixonante e que dificilmente algum dia chegará a um consenso.

O Concílio de Trento

Um estudo como o que pretendo levar a cabo exige antes de mais que conheça a realidade a estudar, ou seja antes de avançar para a fonte devo estudar as principais linhas de pensamento no que ao Concilio diz respeito. Assim, convém saber o que de original foi promulgado, quais os dogmas ou princípios antigos que se mantiveram ou foram reforçados e finalmente se houve espaço para abandonar crenças antigas. Esta tarefa só por si, seria dantesca e certamente esgotaria o tempo disponível consagrado á cadeira, no entanto sabendo de antemão que não a poderei realizar exaustivamente, proponho-me entretanto identificar os pontos que creio serem mais pertinentes.
Uma pequena introdução acerca das dificuldades que estiveram presentes durante a realização do Concílio, poderia começar com o longo período que decorreu entre o momento em que se iniciaram os trabalhos e o momento em que estes foram dados como concluídos.
Não sendo o propósito do trabalho como atrás referi uma análise exaustiva do Concílio, creio que posso avançar sobre todos os eventos que de certa forma permitiram que Paulo III convocasse efectivamente o mesmo para se iniciar a 15 de Março de 1545, sendo no entanto que a sua abertura oficial fez-se somente em 13 de Dezembro de 1545, estando presentes trinta padres, acompanhados por quarenta teólogos, sendo que nenhum era protestante. A direcção do concílio estava assegurada por três legados pontifícios mas apenas os bispos, os gerais das ordens e os representantes das ordens monásticas tinham direito a voto com exclusão dos mandatários, dos representantes dos corpos eclesiásticos e das universidades. É claro que se estava muito longe da assembleia democrática reclamada por Lutero.
O concílio não foi realizado em um só momento, no entanto considera-se como fazendo parte deste mesmo concílio todos os trabalhos levados a cabo até 6 de Dezembro de 1563. As decisões do concílio foram comunicadas à cristandade pela bula Benedictus Deus, de 26 de Janeiro de 1564, tendo sido assinada pelo Papa Pio IV.
Sendo que está apresentada a baliza cronológica do evento, convém agora de certa forma analisar, mais em detalhe os vários momentos que este compreendeu e quais as suas principais decisões.
O Concílio de Trento propôs-se trabalhar na definição dos dogmas católicos e, ao mesmo tempo, na reforma da igreja.
Numa obra publicada em Lisboa no ano de 1781, com o título, O Sacrosanto e Ecumenico Concilio de Trento em Latim e Portuguez: Dedica e Consagra aos Excell., e Rev. Senhores Arcebispos e Bispos da Igreja Lusitana, obra esta editada em dois tomos sob a direcção de João Baptista Reycend divide o Concílio em 25 sessões com os seguintes títulos:
Sessão I – Decreto para se iniciar o Concílio
Sessão II – Decreto sobre o modo de viver, e outras coisas que se devem observar no Concílio
Sessão III – Decreto do Símbolo da Fé
Sessão IV – Decreto das Escrituras
Sessão V – Decreto do Pecado Original
Sessão VI – Decreto da Justificação
Sessão VII – Decreto dos Sacramentos
Sessão VIII – Decreto da Transladação do Concílio
Sessão IX – Decreto de se prorrogar a sessão
Sessão X – Decreto de se prorrogar a sessão
Sessão XI – Decreto de continuar o Concílio
Sessão XII – Decreto de se prorrogar a sessão
Sessão XIII – Decreto do Santíssimo Sacramento da Eucaristia
Sessão XIV – Doutrina dos Santíssimos Sacramentos da Penitência e Extrema-Unção
Sessão XV – Decreto para a prorrogação da sessão
Sessão XVI – Decreto da suspensão da sessão
Sessão XVII – Decreto para se celebrar o Concílio
Sessão XVIII – Decreto da escolha dos livros: e de todos os que hão-de ser convidados ao Concílio com fé pública
Sessão XIX – Decreto para se prorrogar a sessão
Sessão XX – Decreto da prorrogação da sessão
Sessão XXI – Doutrina da comunhão debaixo de ambas as espécies
Sessão XXII – Doutrina do Sacrifício da Missa
Sessão XXIII – Exposição da doutrina verdadeira, e Católica, pertencente ao Sacramento da Ordem, definida e publicada pelo Santo Concílio de Trento em a sétima sessão para condenação dos erros dos nossos tempos
Sessão XXIV – Doutrina do Sacramento do Matrimónio
Sessão XXV – Decreto do Purgatório

Esta divisão é feita no seguimento cronológico do Concílio e logo se destaca que dez das vinte e cinco sessões foram prorrogadas (contei entre as sessões prorrogadas a sessão VIII, na qual se dá a transladação do Concílio para Bolonha, a sessão XI, na qual se dá o decreto para continuar o Concílio, a sessão XVI em que se dá a sua suspensão e a sessão XVII em que há indicação para se iniciar o mesmo). Deve-se ainda indicar que a primeira sessão serviu única e exclusivamente para dar início oficial ao Concílio e que a segunda sessão teve como ordem de serviços legislar os costumes a serem aplicados. Podemos assim concluir que só metade das sessões foram de facto aproveitadas para “conciliar” os dogmas da igreja.
Então, cabe aqui a questão, o que se debateu neste Concílio?
Neste Concílio a primeira preocupação foi para com a afirmação das crenças na Trindade como forma de extirpar as heresias e reformar os costumes, o Símbolo da Fé (ou Credo), que é o tema da terceira sessão é disso sinal. Na quarta sessão a temática debatida centrou-se na escolha da versão bíblica a ser aprovada, daqui saiu a decisão de adoptar a Vulgata de S. Jerónimo, também nesta sessão se afirmou que as tradições apostólicas deviam ser aceites com o mesmo respeito que as escrituras. Esta sessão serviu assim para afirmar a importância da autoridade dos representantes de Deus na Terra.
A quinta sessão é sem dúvida o preparar do resto da construção ou afirmação dos dogmas católicos. Esta sessão pretende e consegue colocar o ser humano totalmente dependente da instituição religiosa desde o momento que chega ao mundo. Esta sessão será também a base doutrinal para mais tarde afirmar a necessidade e a importância do baptismo para redenção dos pecados. Será já na sexta sessão que poderemos encontrar uma prova de que o Concílio pecou por tardio, segundo alguns historiadores, se este decreto, que diz respeito á justificação tivesse sido aprovado no V Concílio de Latrão, a ruptura luterana talvez tivesse sido evitada. A doutrina católica da justificação é aqui exposta em dezasseis capítulos, que deram origem a trinta e três cânones onde se explica detalhadamente quais as crenças condenáveis com excomunhão no que a este ponto doutrinal diz respeito.
A sétima sessão define a doutrina sobre os sacramentos, proíbe a acumulação de bispados e regulamenta a função episcopal em função das exigências pastorais.
As sessões que se seguem, num total de cinco, (que correspondem a um período que se inicia em 11 de Março de 1547 e que termina a 11 de Outubro de 1551), são a prova do quão moroso era o Concílio e também a prova de que os poderes políticos nunca estavam muito longe do que se passava no concílio tridentino. Esta segunda acepção é de tal maneira evidente, que sobre o pretexto de epidemia, decidiu-se mudar o Concílio para Bolonha, na verdade os padres conciliares procuravam apenas evitar a iniciativa do imperador. O período que se segue é marcado por uma série de prorrogações do mesmo, que são consequência do grande clima de hostilidade que se fazia sentir um pouco por todo o centro da Europa e que via o “entrincheirar” de posições entre católicos e protestantes. O esforço de Carlos V é tão notório, quanto inconsequente. O Interim d’ Ausburgo, é a proposta do monarca para um compromisso, onde os católicos fariam concessões no campo da comunhão sob as duas espécies e o casamento dos padres. Apesar do esforço pelo imperador os protestantes muito relutantemente aceitam participar no Concílio, mas não em Bolonha, nem sob a direcção do Papa.
Quando os trabalhos são retomados em Outubro de 1551, já sob orientação de um novo papa, Júlio III, é notória a falta de flexibilidade do Concílio. Nesta sessão de trabalho e na seguinte, em Novembro, o termo “transubstanciação” é consagrado, a extrema unção é declarada sacramento e é definida a necessidade da confissão oral. Podemos assim facilmente nos aperceber que a passagem de alguns teólogos luteranos não resultou em nada de significativo para o Concílio. As questões políticas uma vez mais interferiram na ordem normal dos trabalhos conciliares e os trabalhos são uma vez mais adiados. Será já com Paulo IV na cadeira pontifícia que os trabalhos se reiniciam, entre Júlio III e este Papa ficara “esquecido no tempo”, o curtíssimo pontificado de Marcelo II. O pontificado de Paulo IV ficou marcado pela sua atitude extremamente conservadora e pouco tolerante. Ocupado que estava com a perseguição aos monges giróvagos e com os ataques à Dataria, alterou a fisionomia do Sacro Colégio julgando que podia realizar a reforma sozinho. Não é assim de estranhar que os padres conciliares não se tenham reunido uma única vez durante o seu pontificado (1555-1559).
O pontificado que se segue (1559-1565) é marcado por atitudes sábias do detentor da cadeira de S. Pedro. Na verdade, cedo, Pio IV nomeou o seu sobrinho Carlos Borromeu para auxiliar na renovação da disciplina. A acção deste seu sobrinho foi assinalável e granjeou a admiração de muitos dos membros presentes no Concílio. Não conseguiu no entanto evitar o crescente extremar de posições, entre aqueles que pretendiam um acréscimo dos poderes dos bispos (franceses, espanhóis e imperiais) e aqueles que desejavam manter a supremacia papal (italianos). O legado Morone, propôs então um conjunto de quarenta e dois artigos, que vieram a ser adoptados pelos padres conciliares e que possibilitaram a resolução do impasse em que o Concílio se achava. Foram incluídos vinte e um capítulos reformadores na sessão XXIV e o mesmo número na sessão XXV, sendo que a concordância era a nota marcante quando o ano de 1563 chegou ao seu término. Estes capítulos regulamentavam essencialmente a conduta, a aparência, os direitos e deveres dos representantes de Cristo na terra. No fim do trabalho, em anexo encontra-se uma tabela que sistematiza os capítulos reformadores, presentes nas já mencionadas sessões do concílio. Os Cardeais e ainda mais notoriamente os bispos viram os seus poderes aumentados em muitos aspectos. Regula-se também os constantes desmandos e uso abusivo de poderes e privilégios. Estas duas sessões são ainda aproveitadas para regular o sacramento do matrimónio, definir os cânones referentes ao purgatório, explicitar questões referentes ás indulgências e ainda acerca do culto dos santos. A sessão XXV ficou ainda marcada pela reforma das ordens monásticas, através de vinte e dois capítulos. Os membros conciliares abandonaram Trento a 6 de Dezembro de 1563 e a bula Benedictus Deus, de Pio IV mais não fez do que confirmar e dar a conhecer a toda a cristandade o resultado final das deliberações conciliares tridentinas. Refira-se só a título de curiosidade que a referida bula está datada de 26 de Janeiro de 1564.
Pierre Pierrard, afirma que “… os decretos tridentinos … só muito lentamente tenham penetrado na “carne e no sangue da igreja”, a verdade é que modelaram fortemente o seu futuro.”[1] Com esta frase pretendo sintetizar a importância do Concílio de Trento, pois certamente haveria muito mais para dizer acerca dos aspectos positivos e negativos do mesmo. Esta frase de Pierrard é também a questão que pretendo estudar no espaço reduzido que é a freguesia de Gulpilhares.

O Concílio de Trento em Portugal

Este capítulo que pretendo que seja breve, tem por fim servir de elo de ligação entre Trento e o espaço português. Num artigo da autoria da docente, publicado na Revista da Faculdade de Letras – História, II Série – Volume VII, datada de 1990, com o título Recepção do Concílio de Trento em Portugal: As normas enviadas pelo cardeal D. Henrique aos bispos do reino, em 1553, ficamos a entender a razão das normas tridentinas terem sido tão rapidamente aceites em Portugal. A acção daquele que viria a ser conhecido como o Cardeal-Rei, ainda como regente durante a menoridade de D. Sebastião, foi determinante para que desde muito cedo Portugal estivesse ao lado dos reformadores tridentinos.
Uma das medidas que também a meu ver mais contribui para a sua rápida assimilação, foi o facto de serem dadas a conhecer também na língua vernácula e não apenas em Latim. Segundo o mesmo artigo ficamos ainda a saber que o Cardeal não se limitou a agir após a conclusão do Concílio, sendo que terá inclusive enviado aos bispos do reino apontamentos acerca do espírito e as orientações referentes à assembleia ecuménica reunida em Trento.
Sem querer entrar em pormenores ou nos detalhes que o artigo aborda, creio que é fácil identificar uma total unidade, entre o que se decidiu em Trento e o que foi transmitido por D. Henrique aos bispos das várias dioceses do reino. O facto demonstra que ao nível das altas esferas não houve má interpretação, ou má vontade em relação ás medidas reformadoras propostas por Trento, a acção do Arcebispo de Braga, Frei Bartolomeu do Mártires, pode também estar associada com esta recepção positiva por parte do clero português. Devo também aproveitar esta oportunidade para fazer desde já uma referência à outra fonte que estudei para tentar compreender as questões que levantei no início deste trabalho. Uma das indicações consagradas por Trento que D. Henrique se certificou que eram bem compreendidas pelas autoridades episcopais, foi toda a dinâmica envolvente das visitações. Este instrumento de uniformização das crenças e condutas do mundo cristão, vai ser de suma importância para fazer chegar a mensagem dos padres conciliares até ao mais humilde dos crentes. D. Henrique consciente da importância que este dispositivo, que não é exactamente uma criação tridentina (como veremos mais à frente no capítulo dedicado as visitações), poderia ter na aplicação dos “ares reformadores”, tem um destaque especial nas indicações do Cardeal.
D. Henrique é assim a meu ver a principal razão pela qual Portugal está na linha da frente dos “adeptos fervorosos” de Trento, enquanto os mui católicos reis de Espanha e França, levaram mais algum tempo para aceitarem as decisões conciliares.
As Constituições Sinodais

Este novo capítulo surge por indicação da docente. Após indicar o que me propunha fazer, a professora avançou muito sabiamente, com o conselho de que Trento estava muito longe das paróquias e que deveria estudar quais as indicações presentes nas Constituições Sinodais da Diocese do Porto. Devido ao enquadramento cronológico do Concílio de Trento, decidi que deveria considerar as Constituições Sinodais imediatamente antes e depois da realização do referido concílio. Assim sendo, as constituições em questão são as publicadas em 1541 e as de 1585. As primeiras são o resultado do Sínodo de 2 de Outubro de 1540, realizadas sob a direcção episcopal de D. Frei Baltasar Limpo e as últimas, o resultado do Sínodo de 3 de Fevereiro desse mesmo ano, quando era bispo da cidade do Porto, D. Frei Marcos de Lisboa.
Devido ás limitações de tempo e á dificuldade de consultar as referidas constituições pessoalmente, decidi socorrer-me de algumas das leituras já feitas por quem se predispôs a trabalhar as mesmas. No fim do trabalho acrescento uma tabela que é um resumo de uma tabela publicada pelo Doutor Francisco Ribeiro da Silva, num seu artigo publicado no primeiro volume das actas do I Congresso sobre a Diocese do Porto, realizado em Dezembro de 1998 e que teve também o propósito de homenagear o D. Domingos de Pinho Brandão. O artigo O bispado do Porto à luz das constituições sinodais da época Moderna: valores clericais e normas de comportamento, apesar de se centrar em questões de carácter comportamental dos clérigos, é no entanto de sumo interesse, pois essa foi uma das principais questões que a reforma tridentina consagrou. Serviu ainda de referência de estudo a Dissertação de Mestrado de Demografia Histórica e Social apresentada em 1992 por Francisco Barbosa da Costa na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com o título S. João Baptista de Canelas, Uma comunidade rural das Terras de Santa Maria, Estudo Demográfico – 1588-1808.
Devido ao facto já enunciado de não ter feito leituras pessoais das constituições, sinto que não devo tecer grandes considerações acerca das mesmas, sendo que pretendo apenas chamar a atenção para alguns pontos que me pareceram significativos. Á primeira vista é óbvio que as constituições de 1585 contêm mais um ponto do que as de 1541 e que são mais detalhadas em alguns dos pontos já consignados pelas constituições mais antigas. O segundo ponto abordado nas constituições de 1585, que não é contemplado nas de 1541, diz respeito ao culto mariano e ao uso de roupas honestas. Sendo que as preocupações com o aspecto não são novidade em relação à constituição da primeira metade do século XVI, já a obrigação de rezar as horas de Nossa Senhora, é sem dúvida uma clara marca tridentina. O aumento do culto da Virgem Mãe em Portugal só se dá efectivamente após a realização do Concílio de Trento e como podemos constatar é já após o término do referido concílio que as constituições contemplam uma norma relacionada com tal culto.
Os outros pontos das constituições de 1585 onde o texto de 1541, sofre algumas alterações (que não são mais do que complementos e explicações mais específicas em relação ao texto), dizem respeito às questões de juramentos perante autoridades seculares, questões associadas com o consumo abusivo do álcool, questões relativas ao convívio com elementos suspeitos do sexo oposto e finalmente questões ligadas com a prática do nepotismo. Devo desde já referir, que todos os pontos que foram alterados nas constituições de finais do século XVI, foram assuntos que mereceram a atenção reformadora de Trento.
Como nos indica o já referido artigo do Doutor Francisco Ribeiro da Silva, podemos sintetizar as instruções referentes ao modelo de vida social do clero em cinco pontos:
1. apresentação e aspecto externo.
2. hábitos sociais.
3. comportamento e lazeres.
4. ocupações profissionais.
5. relação com o feminino e vida familiar.
Uma vez mais podemos constatar que todos estes pontos foram merecedores de especial atenção por parte dos membros reunidos nas sessões conciliares em Trento. Numa época em que a Europa se encontra dilacerada devido a questões teológicas de grande complexidade, os membros da assembleia encontram-se preocupados em regular o aspecto e a conduta dos seus membros, uma pista a considerar se quisermos nos pronunciar em relação à velha polémica da Reforma vs. Contra-Reforma.
As Visitações

As visitações são antes do mais, uma “inquirição geral da vida e costumes dos súbditos tanto clérigos como leigos, do estado das Igrejas, Hospitais, Ermidas, Confrarias e outros lugares pios, tudo encaminhando para o fim espiritual das almas”.[2] O enquadramento histórico da fonte é de difícil execução devido à falta de elementos relativos à mesma. Na região das Terras de Santa Maria existe a referência a uma visita feita à Igreja de Canedo no início do século XIV, no entanto existe quem considere o livro dos Actos dos Apóstolos como sendo o primeiro livro desta natureza. De facto este livro que se encontra imediatamente a seguir aos evangelhos (a saber, Mateus, Marcos, Lucas e João), não raras vezes é um fiel relato das acções pastorais dos eleitos de Cristo e das suas “visitações” com as igrejas primitivas. Independentemente da sua real génese, este tipo de prática só após o Concílio de Trento, ganhou a consciência da necessidade de registar sistematicamente a realização e natureza da mesma. Será de facto uma indicação tridentina, a necessidade da Diocese acompanhar de perto a vida dos fiéis sob a sua jurisdição e acima de tudo a importância de registrar a ocorrência, o mesmo vai acontecer com a realização dos sacramentos, dando origem ao rico espólio paroquial que podemos agora desfrutar. Podemos assim entender que a prática é anterior à sistematização dos registos.
A oitava sessão realizada sob a orientação de Pio IV, que se realizou a 11 de Novembro de 1563, após abordar questões que diziam respeito ao sacramento do matrimónio, concentrou a atenção dos reformadores no Decreto da Reforma. Este Decreto ficará conhecido pelos seus quarenta e dois capítulos que são sem dúvida a essência do Concílio, sendo que o terceiro diz respeito às visitações. As primeiras indicações foram no sentido dos Patriarcas, Primazes, Metropolitanos e Bispos, não deixarem de visitar por si mesmos, não estando legitimamente impedidos, cada ano a Diocese. Os que tivessem Dioceses mais extensas deveriam completar as visitas em dois anos. É ainda também notório o reforçar dos poderes do bispo, sendo que mesmo nos casos onde as paróquias estejam directamente sob a direcção do cabido, o visitador deve ser aprovado pelo Bispo. O mesmo capítulo faz ainda referência ao propósito destas visitas. O intento principal das visitas é estabelecer a sã doutrina e erradicar as heresias, manter os bons costumes e emendar os maus. Em seguida é dado a conhecer qual o modo de actuar dos visitadores, instruindo-os a manterem uma caridade paternal e zelo cristão. A visita devia ser o mais breve possível, sem prejuízo da diligência e os visitadores deviam poupar gastos inúteis e tornarem-se onerosos para aqueles que visitam, devendo recusar qualquer tipo de oferenda pela visita, estando o prevaricador obrigado a devolver em dobro no espaço de um mês a oferta recebida. O capítulo acaba com algumas instruções dirigidas aos visitados, de não interferirem no trabalho do visitador.
As Visitações tinham ainda um “cerimonial” próprio. A visitação começava com o envio de um questionário, que era afixado à porta da Igreja, afim dos fiéis poderem informar o visitador sobre desvios que conhecem em relação à moral e doutrina quer de clérigos quer de outros leigos. O pároco ficava assim também a saber quando seria a visita e deveria providenciar para que todos os fregueses estivessem presentes. Devido à necessidade de estarem presentes todos os fregueses as Constituições Sinodais publicadas em 1690, referiam que a visita não deveria ser feita em época de recolha das frutas e das novidades.
Aquando da chegada do visitador o pároco deveria ordenar o tocar dos sinos a repique. A visitação propriamente dita iniciava-se com a absolvição dos defuntos, após a qual o visitador inspeccionava o bom estado do Sacrário, dos Santos Óleos e da Pia Baptismal, devia ainda verificar as Relíquias dos Altares, as Pedras de Ara, os Retábulos das Imagens e a Sacristia. No fim deveria ainda conferir os Ornamentos missais e mais coisas do culto divino.
Não se ficavam por aqui as obrigações dos visitadores, pois deveriam ainda:
- ver as igrejas por dentro e por fora, coros, cemitérios e outros edifícios paroquiais
- ver como se governa a Igreja no espiritual e no temporal
- ver se reparam o material dos templos
- ver se tratam com asseio os altares
- ver se guardam com reverência o Santíssimo Sacramento
- ver se o povo assiste com devoção e silêncio aos ofícios divinos e se neles intrometem profanidades e outros abusos
- ver se a Igreja é servida de seus ministros
- inquirir com grande diligência acerca da vida e costumes dos eclesiásticos e seculares e verificar que não incorrem em adultérios, incestos, amancebamentos, desonestidades, sacrilégios ou feitiçarias.
Este último conjunto de indicações estão consagradas nas já referidas Constituições de D. João de Sousa, publicadas em 1690.

As Visitações de Gulpilhares

Feita que está a introdução aos contextos gerais, o Concílio de Trento, a sua implementação em Portugal, as Constituições Sinodais do Porto e as Visitações no Geral, creio poder agora iniciar este capítulo que diz respeito às Visitações de Gulpilhares, propriamente ditas. Assim sendo a primeira consideração prende-se com os aspectos da fonte em si.
Aquando da publicação desta fonte, o livro encontrava-se em boas condições de leitura e muito bem encadernado, encontrando-se no Museu Etnográfico do Douro Litoral. O livro mede 27,5 cm x 18,5 cm, sendo que as folhas estão rubricadas e numeradas pelo Rev.º Padre Cura João de Barros Coelho.
O livro tem o título de “Livro das visitações da parochial Igreja de Nossa Senhora de Golpelhares 1598”, sendo este complementado pela seguinte informação, “Livro que serve das visitações de transcrever as ordens e circulares e que constam os usos e costumes da Igreja de Gulpilhares”. O livro tem 242 folhas estando riscadas parte da 165v, 166 e 167.
De forma “profética” os visitadores são instruídos a levarem consigo um livro onde registrassem tudo o que ficava no livro próprio da freguesia a fim de se salvar a informação caso o exemplar da Igreja se perdesse. No caso do concelho de Gaia, conhecessem apenas quatro livros de visitações, Gulpilhares, Canelas, Perosinho e Sandim, conhecem-se ainda as transcrições representantes das freguesias de Crestuma e Olival, que se encontram no Arquivo Distrital do Porto.
No livro de Gulpilhares encontram-se registadas um total de 130 visitas realizadas entre 26 de Maio de 1599 e 3 de Setembro de 1840, sendo que somente catorze foram feitas pessoalmente pelo Bispo. No entanto este facto não significa que as indicações de Trento não fossem seguidas, pois deve-se assinalar que até ao ano de 1664 a freguesia foi visitada anualmente, excepção feita aos anos de 1628, 1631 e 1657. A visita referente ao ano de 1631 pode no entanto ser considerada pela visita de 12 de Dezembro de 1630, que era a segunda no mesmo ano. O ano de 1657 que não teve visita fica no entanto bem enquadrado pelas visitas de 2 de Novembro de 1656 e a de 8 de Janeiro de 1658. Devemos ainda assinalar que os anos de 1599, 1624 e o já referido de 1630 foram marcados por duas visitas. Os lapsos mais significativos acontecem entre os anos de 1664-1671, 1681-1684, 1702-1705, 1716-1719, 1738-1741, 1746-1750 e todo o período que se segue a partir de 1756 onde nunca mais se realizaram regularmente as visitações, sendo de assinalar que num período de 84 anos fizeram-se 11 visitas, o que dá uma média de uma visita por cada sete anos e meio. Deve-se ainda assinalar que entre 1823 e 1840 não se fizeram qualquer visita, correspondendo a um período de dezassete anos. Devo no entanto assinalar que dentro das balizas temporais “construídas” para a Época Moderna, a regularidade e o cumprimento das indicações de Trento são a nota dominante.
Após realizar a “fotografia” da fonte podemos entrar mais pormenorizadamente no seu conteúdo. Quais são as principais questões tratadas no Livro das Visitações de Gulpilhares? Como podemos facilmente constatar após ler algumas das visitações, uma das principais preocupações é relativa aos clérigos, nomeadamente com o seu aspecto e conduta. A preocupação com os membros do clero está ainda muito evidente na obrigação de se fazer periodicamente conferências de moral, bem como de teologia dogmática a que deveriam assistir todos os clérigos. Estes eram ainda incentivados a estudarem aprofundadamente as cerimónias e a liturgia. Regula-se ainda a ausência dos Párocos das suas freguesias.
Os amantes das pesquisas genealógicas ficam eternamente gratos pela ordem de se dever registrar nos assentos de matrimónio, os nomes dos pais e avós de ambos os sexos.
Os assuntos tratados pelas visitações podem ser agrupados em sete grandes grupos:
- Estado dos Edifícios
- Clero
- Culto e Magistério
- Rendimentos
- Sociedade
- Estado Espiritual e Moral
- Outros Assuntos
Dentro de cada um destes grupos poderíamos considerar uma série de subgrupos a fim de melhor estruturar os conteúdos. Por exemplo, no grupo que diz respeito aos edifícios, podemos incluir os seguintes subgrupos:
- Igreja e seus anexos
- Cemitério: área, disposição e usos
- Capelas rurais
Foi no entanto necessário proceder a algumas opções afim de tornar o projecto deste trabalho viável e realizável no período compreendido pela cadeira. A fonte é imensa em quantidade e muito rica em qualidade, não querendo me tornar “servo” da fonte e fazer apenas um trabalho de constatação de ocorrências, decidi concentrar a minha atenção nas informações que dizem respeito ao Clero. Relativamente a este grupo podemos estudar as indicações que dizem respeito ao aspecto dos clérigos (roupa e asseio), à conduta com os fiéis, ás suas responsabilidades, etc.
Comecemos pois então pela questão das ausências do Pároco, em 1678, proíbe-se a ausência num período superior a 60 dias, sem restituir aos pobres os benefícios que dizem respeito a esse período. A indicação parece que terá sido cumprida, no entanto em 1746 é feita uma inquirição acerca de quantas vezes o Pároco faltava por ano e quais as licenças que havia invocado, sendo ainda obrigado a entregar as chaves da Igreja a homens justos e capazes aquando das ausências.
Uma outra questão que é uma preocupação de suma importância para a Diocese (herdada sem dúvida do espírito tridentino) diz respeito à conduta dos clérigos. Em 1643, o visitador afirma ter recebido informações de “pessoas de muita qualidade” de que os Párocos usavam palavras escandalosas contra elas, em 1676 proíbe-se o uso de tabaco, sendo que o mesmo já havia sido proibido em 1664. Em 1794 é proibida a assistência a arraiais indecentes e bailes, sendo que também já em 1675 havia-se proibido a prática de se mascararem nas festas, sendo ainda mais antiga (1609) a proibição de os sacerdotes andarem em festas e confrarias na companhia de leigos. A conduta dos clérigos é ainda regulada em muitos outros aspectos. Em 1655 é proibido o uso de armas, o mesmo acontecendo em 1664 e em 1675. É de assinalar que a visitação de 1664 proíbe os clérigos de andarem com cães, dito assim podia parecer uma proibição arbitrária, no entanto a proibição diz respeito a um conjunto que compreende também o uso de espingarda e carapuças. Se á primeira vista parece apenas, uma indicação com o fim de evitar o aspecto de malfeitor, devemos também ter em conta que desde os tempos medievos que os membros do clero se portavam como autênticos senhores temporais, sendo bem conhecido que a prática da caça era apanágio dos aristocratas.
A visitação de 1675 é de facto muito rica nas restrições que impõem aos religiosos, são assim proibidos de irem para a igreja com espingardas, pistolas, gravatas, gadelhas e casacos, largarem os hábitos e mascararem-se em festas. Colocando de lado as questões de vestuário e as de conduta já abordadas noutro espaço, é de referir a distinção entre espingarda e pistola, dando indicação de que os clérigos eram hábeis contornadores da letra da lei. O mesmo se torna evidente nas visitações de 1677 e 1728, onde é proibido aos clérigos frequentar tabernas, entrar nas vendas, comer, jogar, beber e buscar vinho, sendo a única diferença evidente entre as duas, a primeira dizer respeito aquando de se encontrar em viagem e a segunda ser uma instrução sem qualquer tipo de enquadramento limitativo, devendo ser considerada como princípios a manter sempre. A necessidade de repetição da instrução se não mostra claramente se havia ou não desvios em relação à visitação de 1677, mostra-nos no entanto claramente que o espírito da lei não tinha sido assimilado e que era necessário regular o comportamento dos clérigos dentro do espaço da sua jurisdição.
A maioria das indicações dadas aos clérigos são no entanto respeitantes à sua apresentação. A obrigatoriedade de uso de sobrepeliz é referida em 1605, 1608, 1637, 1655, 1675, 1746, 1754 e 1762. A proibição de assistir ás cerimónias sem arranjo de cabelo e sem vestes talares de 1684 é repetida em 1731, 1746, 1823 e 1840, sendo que as visitações de 1731, 1823 e 1840 também obrigavam ao uso de cabeção. O atavio pessoal dos eclesiásticos é afirmado em muitas visitações, servindo como exemplo a visitação de 1738 onde torna-se proibido aos clérigos entrarem na Igreja descompostos com casacos desabotoados e cores menos honestas. As questões da forma de vestir dos clérigos está ainda presente na visitação de 1664, onde é proibido o uso de carapuças e na de 1702, onde se proíbe o uso de casacas e calções com bolsos pelos joelhos até ao meio da perna, sendo que em 1712 é proibido o uso de japonas. Em 1729 proíbe-se o uso de botas com esporas, chambres de várias cores, trajes indecentes, em 1754 é o uso de trajes com cores e bicos emproados que é regulamentado. Ainda em 1779 proíbe-se o uso de cabeleira e solidéu.
Existem ainda questões relacionadas com o clero, que se encontram em orientações que não parecem dirigir-se a estes numa primeira leitura, mas que na sua essência são também formas de os regular.
As instruções relativas ao sacramento da confissão, são um campo muito rico para podermos analisar os pressupostos colocados anteriormente, assim em 1612 é proibido confessar pessoas de fora para casamento sem licença do Pároco de Origem. Já em 1676, com excepção dos membros da Companhia de Jesus, obrigam-se também os padres religiosos a apresentarem licença de confissão e pregação passada pelo bispo. A visitação de 1679, obrigava a confissão de joelhos. Se estas visitações não implicam de facto evidentes referências ao comportamento dos clérigos, já com a visitação de 1684, podemos ver qual é a verdadeira preocupação das autoridades diocesanas, quando obrigam que a confissão seja feita no confessionário sobretudo a mulheres (só as questões relacionadas com o sexo feminino eram dignas de um trabalho de per si). O mesmo assunto volta a ser abordado em 1725, abrindo-se excepção ás enfermas e em 1726, “ás mulheres velhas e moucas no caso de não haver concurso de gente”. O mesmo princípio é ainda abordado em 1744, obrigando o Padre ao uso de sobrepeliz, a questão do confessionário é ainda abordada em 1769 e 1794. Cabe agora abrir uma chamada de atenção para as situações em que os clérigos podiam receber pena de excomunhão. Tais eram os casos de, não usarem sobrepeliz nos ofícios de defuntos, não notificarem as mulheres de má vida, andassem em festas e comessem com leigos que usassem vestes indecentes, receberem dinheiro pelo falecimento de enjeitados, uso de palavras escandalosas contra pessoas de qualidade, uso de espingardas, carapuças e cães na Igreja, realizarem missa sem licença, conversas sobre negócios e tratos seculares nas Igrejas e Capelas, etc.

Conclusões

Chegamos assim de uma forma muito leve ao último capítulo deste nosso trabalho. Antes do mais, devemos ainda uma vez mais reconhecer que esta abordagem está longe de ser exaustiva quer em quantidade, quer em profundidade, no entanto é também nosso parecer que os foram dados todos os passos necessários para a construção de um trabalho científico credível. Devemos ainda reconhecer que a quantidade de notas de rodapé não serem abundantes, sendo que não se trata de uma questão de desonestidade intelectual, mas sim devido ao facto de haver não raras vezes uma total comunhão entre sentimentos já existentes em nós e as ideias defendidas pelos vários autores que consultamos. Afim de evitar qualquer grau de suspeita sobre as influências evidentes no texto, colocaremos no fim do mesmo uma bibliografia com a totalidade dos trabalhos e fontes consultadas para a elaboração do mesmo.
Gostaríamos então agora de avançar com as nossas conclusões, sendo que são também fruto de leituras que não chegaram a texto neste trabalho, nomeadamente em termos de fonte, pois foi muito maior a leitura feita do que as referências pontuais apresentadas no trabalho.
A questão que é apresentada no trabalho centra-se nas referências ao clero. A constante repetição de proibições nomeadamente no que ao vestuário diz respeito é a evidência acabada de que na ramificação mais elementar da estrutura clerical, só muito lentamente se conseguiram implementar as decisões reformadoras consagradas por Pio IV, na Bula Benedictus Deus. Não raras vezes é facilmente identificável, que as indicações que o visitador exprime, são retiradas directamente do texto conciliar. Sentimo-nos assim inclinados a concordar com as palavras de Pierre Pierrard, acerca da lentidão com a qual os princípios são de facto absorvidos pela totalidade da cristandade, mesmo quando só dispomos da realidade micro que é Gulpilhares. Cremos ser já óbvio que uma conclusão desta natureza não se assenta só na questão dos clérigos serem avessos a aceitarem as posições diocesanas no que ao seu atavio diz respeito. O mesmo podemos constatar em relação a muitas outras situações, sejam desvios comportamentais relacionados com o convívio com elementos do sexo oposto, seja com questões que implicavam o estudo e interiorização dos assuntos dogmáticos aprovados em Trento ou o uso abusivo do álcool. A verdade é que a totalidade da fonte transpira a insubordinação clerical, não significando obrigatoriamente que havia uma premeditação revoltosa envolvida na atitude desses agentes religiosos.
Agora que parte das questões levantadas no início do trabalho estão semi-resolvidas, muitas outras questões se levantam, sendo que a mais evidente se prende com a razão de a assimilação ser tão lenta em Gulpilhares (cremos no entanto que certamente o mesmo se pode perguntar acerca de outros espaços). A questão torna-se ainda mais pertinente quando podemos constatar que as altas hierarquias clericais portuguesas estavam em perfeita sintonia e agirem em conformidade com as normas tridentinas desde muito cedo, seja pela actuação do Cardeal D. Henrique seja pelas Constituições Sinodais, nomeadamente as da Diocese do Porto, apesar de se continuar a recorrer abusivamente da excomunhão.

Fontes e Referências Bibliográficas

Fontes:
- SILVA, Francisco Ribeiro – Visitações de Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, Gabinete de História e Arqueologia de V. N. Gaia, 1986
- O sacrosanto, e ecumenico Concilio de Trento em latim e portuguez / dedica e consagra, aos... Arcebispos e Bispos da Igreja Lusitana, João Baptista ReycendLisboa : na Off. de Francisco Luiz Ameno, 1781. - 2 v. ; 16 cm
BN S.C. 7006 P.BN S.C. 7007 P.

Referências Bibliográficas:
- COSTA, Francisco Barbosa da – S. João Baptista de Canelas, Uma comunidade rural das Terras de Santa Maria, Estudo Demográfico – 1588-1808, Porto, Dissertação de Mestrado de Demografia Histórica e Social apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1992
- PIERRARD, Pierre – História da Igreja Católica, Lisboa, Planeta Editora, 2002.
- SILVA, Amélia Maria Polónia da – Recepção do Concílio de Trento em Portugal: as normas enviadas pelo Cardeal D. Henrique aos bispos do Reino, em 1553, in Revista da Faculdade de Letras – História, II Série, Porto, 1990, Vol.VII, pp. 133-143
- SILVA, Francisco Ribeiro da – O Bispado do Porto à luz das constituições sinodais da época moderna: Valores clericais e normas de comportamento, in Actas I Congresso sobre a Diocese do Porto, Tempos e Lugares de Memória, Porto, Centro de Estudos D. Domingos de Pinho Brandão, Universidade Católica – Centro Regional do Porto, 2002, Vol.I, pp. 57-81.

[1] PIERRARD, Pierre - História da Igreja Católica, Lisboa, Planeta Editora, 2002, p. 239.
[2] Costa, Francisco Barbosa da – Visitações de Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, Gabinete de História e Arqueologia de V. N. Gaia, 1986, p. 9.

4 comentários:

Anónimo disse...

Muitos parabéns aos autores deste trabalho. Realizado por alunos, o seu valor é ainda maior. De facto, irrepreensível. Mais uma vez, parabéns!

Alves dos Reis disse...

A gerência agradece e promete que em breve serão colocados online mais alguns trabalhos, e não só em português, ou exclusivamente sobre História neste espaço.
Desde já reforçamos estar totalmente receptivos a "publicar" neste espaço qualquer trabalho de valor desenvolvido por alunos e não só que sejam de interesse para os nossos bloggers.

Anónimo disse...

Parabéns, pela seriedade com que esse trabalho foi elaborado e as
citações bibliográficas. É comum encontrarmos artigos sem referências e fontes bibliográficas na internet. Qualquer um escreve sobre qualquer coisa e de qualquer jeito.

Alves dos Reis disse...

Este trabalho foi realizado no ambito da licenciatura de História e serviu para avaliação numa cadeira. Nesse sentido as notas são essenciais e afim de não desvirtuar o trabalho manteve-se o cariz científico do mesmo.
Agradeço os votos expressos e devemos de facto todos zelar pela excelência, a internet não deve ser excepção.